domingo, 5 de fevereiro de 2017

DIÁRIO

" A vida não é mais do que uma capacidade
intrínseca de procurar e arranjar soluções.
O viver que se distância desta matriz, definha em si mesmo."

Escrito e reescrito vezes sem conta, tal era a grossura da letra e o tom acentuado da cor, este era o registo que constava no início de um diário que diariamente se compunha, e que à mão, à muito se precipitara do seu começo.
Ela, uma mulher madura mas ainda donzela, procurou tentou e tentou, mas nunca encontrou abrigo nos braços de outro alguém, capaz de lhe soletrar ao ouvido tão bem, aquele timbre sempre apetecido que nunca houvera esquecido e que lhe causava tanto ardor.
Resignada existia só por existir, desequilibrada, resistindo à dor por não arranjar solução, elixir, para os problemas do coração justamente por saber diante mão, do paradeiro da emoção, da sua morada, bem como do seu respectivo código postal.
"Tudo é tão pouco se o tudo não tiver um pouco de ti"
Finalizou assim, naquele final de tarde, "gatafunhando" escrevendo e reescrevendo, registando no seu diário, como o fazia diáriamente, a frase que o imaginário à muito lhe soletrava e a consumia.
À mais de uma década que vivia a boiar nesta apatia, sem de fato se importar de nadar e irromper essa frente fria, que dizimam os corpos que deslizam sem pisar terra firme.
"Quem se apura com o tempo a tempo se há de afastar"
Bem vincado e várias vezes escrito e reescrito...
Neste estado lunar, os médicos dizem aos seus familiares que hoje, agora, já não sabem o que fazer. Neste estado "ela não pode andar por aí sozinha".
De facto já não se lembrava dos nomes de ninguém, quem é quem, se a chave era a da sua porta ou da porta da vizinha, se a sopa que tinha comido ao almoço era de feijão ou se comera uma canja de galinha, se trancara a porta do portão antes de subir para a casa ou se havia descalçado antes de ter entrado na cama na hora de dormir.
A sonhar passava os seus dias cada vez com menos lucidez, tal é o saque que provoca a embriaguez na memória, nos seus mais diversos quadrantes, de um passado de história.
Hoje tal como dantes não se esqueceu de escrever no seu diário, palavras menos léxicas, mais turvas, palavras cada vez mais confusas daquelas que não vêm no dicionário.
E adormeceu até ao fim, em volta do seu imaginário sem se recordar do cenário nem das ficções em que damos aos dias parte dos sonhos.

(...)

"Se voltasse a trás faria tudo igual, pois só assim me é possivel viver coberta de ti para todo o sempre"

Escrito na 1°pessoa do singular, este era o excerto da 1° página de um livro que fora editado sem fins lucrativos, e que por ser tão verídico se tornara viral,  sendo que à mais de uma década se mantinha no top de vendas em Portugal  e mesmo além fronteiras


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