segunda-feira, 17 de agosto de 2020

ESP(A)CIAL



"Sabes o que te torna especial?"
Olhei-a nos olhos e consegui apurar o vazio, a curiosidade, o arrepio, o ponto bem escarafunchado no final de um sinal de interrogação, bem arredondado, que lhe invadia o rosto.

"Se não sabes, como queres um dia ser especial para alguém? "
As pupilas dela cresceram à procura de subterfúgios para a evasão, que a pudessem fazer fugir dali, daquele beco escorregadio e sombrio, onde o seu olhar a pairar sob a janela em mim, à longos minutos se predera. 
Num cogitar profundo e realisticamente autêntico, ao vislumbrar uma dimensão algures, que não aquela.

"Já maguas-te alguém especial até o deixares aos poucos afastar-se, para hoje se tornar um ser quase que banal, um simples vulgar?"
Os seus olhos pestanejaram desviando-se dos meus, como se a vergonha me responde-se com um acertivo sim.

"Sabes o que é preciso ter para alguém ser especial para ti?"
A sua boca afunilou-se respondendo-me de imediato com um convicto, "O" grande, "não".
Olhei-a por breves segundos, que mais pareceram horas na dimensão daqueles momentos ímpares que por serem únicos se estendem para lá de um tic-tac normal dos ponteiros.
Respondendo de seguida:
'Eu também não sei, mas sei que seres esp(a)ciais não se encontram ao virar de uma esquina."

E parti...
Convicto que tinha chegado ao fim de um sonho, que tal e qual como uma grande história de amor, que não chega a bom porto, de um " E viveram felizes para sempre".
Acaba por ser esquecido e reciclado pelas sinapses da memória.

Andando em frente sem me virar para trás fui desaparecendo, sem antes lhe deixar no ar a resposta num último esvaio da imaginação.

"Se um dia o teu coração parar e tiveres a certeza que não viverás mais que uns breves instantes, será que irás ter tempo para te despedir e confessar todos os teus arrependimentos ou será que a morte em vida em ti já só te enferma, numa realidade tão sem ar, tão pequena, tão irreal, tão sem chama, sem sal, tão parca de existir."

"Sabes a resposta para todas estas perguntas ?"

Gritei eu para o ar pois a distância atrás de mim já era mais que muita para me fazer entender.
Ela gritava a chamar o meu nome, e eu daqui já mal a ouvia...
"É simples, muito simples até porque é sempre na simplicidade que moram as respostas para as grandes questões.
Um dia irás entender..."
Fiz um compasso de espera e gritei ainda mais alto, não fosse a distância me apagar ou eu desaparecer antes do tempo.

"O que te torna de facto especial é seres um dia esp(a)cial para alguém. "

Não sei se ela me ouviu ou não, contudo esta frase ganhou eco, sendo hoje audível em qualquer escuro do silêncio.
Onde seres atentos e  esp(a)ciais despem as suas vestes de banalidade para se tornarem reais.

Homens emocionais de outro quadrante
de outra espécie.

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