sexta-feira, 17 de maio de 2013

CIDADE INDIGENTE

Hoje acordei mais cedo
Para ver a cidade a dormir
Para ser dono e senhor
das estradas a convergir
Nesta minha madrugada

Lá fora...
O silêncio da noite
escorre ainda pelas paredes
Aveludando o sono das vidas
Anestesiando as almas
diariamente esquecidas
Sob as pedras da calçada

Nos bancos e nos becos
Vislumbro papelões de gente mendiga
Restos nauseabundos de sombras
Carcomida
Pelos desígnios das regras e da moral
Deste Portugal c...Aníbal
Que defeca obra e dejecta
Indigentes

Ao longe...
Nas margem do rio
No enfiamento de um esgoto que se adivinha
Vejo dois vultos prostrados de gatas
a pescarem à linha
Subjectividades presas na ponta do anzol
E mais acolá
numa esquina onde à pouco era dia
Avisto uma mãe a dar à luz
a sua virgem Maria
Que sorri com  ironia  
de ter aguentado na placenta
nove meses de hóstia com agua benta

Anoto mentalmente a gravidade dos factos
E agonizo nas palavras
a muda melancolia...

Que forma estranha de se ser
quando da vida já não se sente
Valores que se desapegam da gente
No traço  ignóbil
de um olhar malfadado
Tímido
Indigente
Antigamente...
A desgraça tinha refugio para se abrigar
Hoje ela tem o dom da ubiquidade
Está em todo lado
Não se pode esconder
Nem tão pouco lhe podes escapar...

Lá fora...
A manhã sonolenta ainda jaze
Abraçada à noite passada
Clareando silenciosamente o dia
Sem pressa de se alhear
dos braços da sua amada

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